Ars nova

Página do manuscrito iluminado do Romance de Fauvel, c. 1318, possivelmente a mais antiga fonte de música Ars nova. Biblioteca Nacional da França, Paris.[1]

Ars nova (em português: arte ou técnica nova) foi, estritamente, um novo método de notação musical, ars nova notandi (nova técnica de notação); porém, as grandes facilidades de escrita que o método introduziu propiciaram o desenvolvimento de todo um novo estilo musical, que acabou por receber o mesmo nome, vigorando no século XIV, especialmente na França e na Itália. Em contraposição, a técnica notacional e o estilo do período precedente passaram a ser conhecidos como Ars antiqua (arte antiga). Suas principais distinções formais e estéticas em relação à fase anterior apareceram nos campos rítmico, harmônico e temático, sendo privilegiados os gêneros de música profana; também foram criadas ou se popularizaram várias estruturas novas de composição, como o moteto e o madrigal.[1][2]

No terreno da notação propriamente dita aperfeiçoou-se o sistema da pauta, se modificaram desenhos e valores de várias notas e se introduziram diversos símbolos inteiramente novos, provendo para os compositores e intérpretes um instrumento gráfico muito mais flexível e exato para descrever e transmitir os avanços técnicos e os crescentes e sutis refinamentos da música prática.[3] No final do período as inovações receberam ainda maior sofisticação, dando origem à escola chamada Ars subtilior, a arte mais sutil.[4]

Embora dois sistemas principais de notação houvessem emergido nos cerca de 150 anos de prevalência dos princípios da Ars nova, um na França e outro na Itália, o sistema italiano não foi capaz de assegurar uma penetração em larga escala, e logo desapareceu diante da maior eficiência do sistema francês.[3] Tantas mudanças foram o reflexo do criativo e inquisitivo período de transição entre a Idade Média e o Renascimento, quando o universo das primeiras fases da Idade Média, dominado quase monoliticamente pela Igreja Católica, deu lugar a uma sociedade mais laicizada, onde a influência do humanismo, da escolástica, de uma tendência a uma abordagem lógica e racionalista do conhecimento, e do pensamento idealista da civilização clássica greco-romana, ora redivivo, se tornaram forças determinantes em toda sua evolução.[5][6] O legado dessa fase de intensa atividade e renovação da música foi, na técnica, a sistematização dos componentes essenciais do sistema de notação musical usada hoje em dia e o lançamento das bases da polifonia a várias vozes e da harmonia moderna, e, na estética, a libertação dos compositores de sua dependência das formas eclesiásticas para veicular sua melhor música, possibilitando ainda que suas personalidades criativas individuais ganhassem legitimidade e encontrassem um novo espaço de expressão.[3] Além disso, a Ars nova foi uma inspiração para os compositores do século XX, estimulando pesquisas no terreno rítmico, perceptual, estrutural e harmônico que levaram à revolução de toda a arte musical moderna[7] e também, especificamente, à criação da técnica serial.[8]

  1. a b Earp, Lawrence. .Ars nova. IN Kibler, William W. Medieval France: an encyclopedia. Volume 2 de Garland encyclopedias of the Middle Ages. Routledge, 1995. pp. 72-73
  2. Duffin, Ross W. A Performer's Guide to Medieval Music. Indiana University Press, 2000. p. 190
  3. a b c Ultan, Lloyd. Music theory: problems and practices in the Middle Ages and Renaissance. University of Minnesota Press, 1977. pp. 61-74
  4. Cross, Lucy. Ars subtilior. IN Duffin, Ross W. A Performer's Guide to Medieval Music. Indiana University Press, 2000. pp. 228-233
  5. Schreur, Philip Evan. Tractatus figurarum. Volume 6 de Greek and Latin music theory. University of Nebraska Press, 1989. pp. 1-10
  6. Leichtentritt, Hugo. Music, History, and Ideas. Read Books, 2007. pp. 62-67
  7. Delaere, Mark. Self-Portrait with Boulez and Machaut (and Ligeti is there as well): Harrison Birtwistle's "Hoquetus Petrus". IN Heile, Björn. The modernist legacy: essays on new music. Ashgate Publishing, Ltd., 2009. pp. 191-202
  8. Křenek, Ernst. Horizons circled: reflections on my music. University of California Press, 1974. pp. 76-77

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