Censura na ditadura militar brasileira

Protesto Cultura contra Censura em fevereiro de 1968. Na foto: Tônia Carrero, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker.

A censura na ditadura militar brasileira apontou, entre 1964 e 1985, artistas e/ou obras como "subversivos", "perigosos" ou "imorais" ao sistema político estabelecido pelo Golpe de 1964 ou ao que chamavam, inclusive no Decreto-Lei n. 1.077 de 1970, de "moral e bons costumes".[1] Eram proibidas tanto a publicação quanto a circulação dos volumes. Além de autores e livros estrangeiros, sobretudo os de temática social e política, cerca de 140 livros de autores brasileiros foram oficialmente vetados pelo Estado durante o período.[2] Entre eles, constam os nomes de Érico Veríssimo, Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Rubem Fonseca, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Ignácio de Loyola Brandão, Dalton Trevisan, Maria da Conceição Tavares, Olympio Mourão Filho, entre outros, como veremos ao longo deste verbete, de todos os gêneros possíveis: livros de não-ficção das mais diversas áreas (saúde, economia, política, sociedade), romances, contos, poesia, teatro em livro.

No início da ditadura militar brasileira, a censura a livros e autores, entre o golpe militar de 1964 e a decretação do AI-5 em 1968, foi marcada por atuações confiscatórias confusas, "batidas policiais", apreensões, confiscos e coerção física de forma primária e improvisada, não raro por agentes mal treinados.[3] Segundo os cálculos do jornalista Elio Gaspari, conhecido por sua série de livros sobre a ditadura, o terrorismo de direita provocou em 1968 17 atentados, 14 explosões e 1 assalto a banco, em que editoras e livrarias estavam entre os alvos, tendo sido atingidas a Editora Tempo Brasileiro, a Civilização Brasileira (cujo proprietário, o editor Ênio Silveira, era alvo predileto da ditadura militar, tendo recebido processos e prisões e também apoio de intelectuais) e a Livraria Forense.[4]

A censura oficial a filmes, peças teatrais, discos de música, apresentações de grupos musicais, produções culturais, cartazes e espetáculos públicos em geral se dá destacadamente três anos após o golpe de 1964, com a Constituição outorgada de 1967, exercida pelo Ministério da Justiça (MJ) por meio do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), setor do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP).[5] Livros e revistas passaram a ser examinados de maneira mais consistente pelo SCDP-DCDP a partir de 1970, data do Decreto-Lei n.1077/70 que regulamentou a censura a livros e revistas, durante o governo Médici (1969-1974), conhecido na historiografia nacional como "Anos de Chumbo" (1968-1972), quando a repressão do governo militar se acirrou.[5] No entanto, dados, registros e documentos do DCDP indicam que a censura a livros durante a ditadura militar teve atuação mais forte não nos chamados Anos de Chumbo, mas sim durante o governo Geisel (março de 1974 a março de 1979), justamente aquele que, apesar dos momentos de retrocesso, ficou conhecido por ter iniciado o processo de lenta e gradual abertura política.[6] Ou seja, paradoxalmente, quando a maioria dos jornais e revistas era liberada da presença da censura prévia nas redações, a censura a livros por parte do DCDP foi maior,[6] por uma série de razões, sobretudo de ordem de intolerância moral e sexual, e por outras hipóteses levantadas por diversos jornalistas, estudiosos e historiadores, que este verbete tratará adiante.

Em 13 de outubro de 1978, é promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional número 11, que revoga o AI-5 a partir de 1º de janeiro de 1979, ano da Lei da Anistia, o que faz despencar nos registros o número de revistas e livros vetados. Neste período, a cautela se resume ao público alvo e à faixa etária dos materiais. Nos dez anos de vigência do AI-5 (13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978), segundo estimativas apresentadas pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura, foram censurados "cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de música e uma dúzia de capítulos e sinopses de telenovelas",[7] além de mais de 1.607 cidadãos registrados terem sido atingidos direta e explicitamente pelo Ato com punições - cassação, suspensão de direitos políticos, prisão e/ou afastamento do serviço público, sem contar a perseguição política e a tortura de centenas de outros, os dados não computados e os efeitos colaterais na sociedade brasileira.[8]

Assim, o fim da censura no Brasil ocorre de maneira gradual. Em 1985, Fernando Lyra, Ministro da Justiça do governo de José Sarney, embora preservando a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), anuncia publicamente o fim da censura política.[1] Seu sucessor no ministério, o senador Paulo Brossard, é quem começa a desmontar de fato a estrutura institucional da censura em 1987, ainda que se mantivessem estruturas censoras em casos muito raros e praticamente inócuos ligados à "moral" e à "pornografia".[1] Finalmente, a Constituição de 1988, que marca a redemocratização, extingue legalmente e de vez a censura no Brasil.[1]

  1. a b c d "Livros sob censura". Memórias da Ditadura. Acesso: 03 de março de 2019.
  2. Reimão, 2014, p. 89.
  3. Stephanou, 2001, p. 215.
  4. Gaspari, 2002a, p. 328 e 301.
  5. a b Reimão, 2014, p. 75.
  6. a b Reimão, 2014, p. 85.
  7. Ventura, 1988, p.205.
  8. Apud Reimão, 2014, p. 77.

© MMXXIII Rich X Search. We shall prevail. All rights reserved. Rich X Search